algumas memórias sem luz.

Nasci praticamente adulta, temporã, com o bonde andando, numa família de quase todos adultos, em meio a interesses e assuntos maduros, com a sensação de incomodar.

Me contam que minha mãe tinha uma certa vergonha de ter engravidado aos 34 anos e aparecer com aquele pacotinho. Fui a mais nova de casa, e de todos os primos.

Enfim, corri para o bonde com medo de perdê-lo, sempre muito adaptada, ligada na movimentação, para não atrapalhar, mas já atrapalhando e desorganizando o que já estava estabelecido. Com isso cresci rápido. Pobre criança adulta.

Bicicleta? Não deu para aprender a andar, muito perigoso, podia machucar, nada de brincadeiras de correr, sem a presença de outras crianças, aprendi a brincar sozinha. Brinquei muito com minhas bonecas.

Meus avós maternos moravam em Santos, mais precisamente em São Vicente. Íamos religiosamente, quinzenalmente, visitá-los. Lembro muito deles e de nossos encontros apesar de ser bem pequena. Minhas lembranças não são claras, não te cor, aparecem em flashs, como uma bruma envolvente e tudo em branco e preto. Nada colorido.

No auge dos meus 5 anos, numa das visitas , assim que chegamos na casa minha avó, uma novidade para mim um convite de uma festa de aniversário infantil, acontecimento raro, pois o meu contato com crianças era praticamente inexistente. Imagine a alegria de ir a uma festinha? Para minha decepção, o aniversário era de um menino e não de uma menina, mas estava valendo, melhor que nada.

Mas logo pensei, na minha infância adulta comecei a pensar cedo..kkkk Vai ter alguma menina? Poderia levar uma boneca para brincar? Sempre amei bonecas . Passada a euforia, o lado adulto já se preocupou, e o presente, mamãe??? Ah, minha filha chegamos agora, e todos sabem disso, não pudemos nos preparar, ninguém vai ligar para isso. O que???? Uma criança, não ligando para presente??? Ah mãe, você não sabe de nada, pensei. Insisti , mas minha mãe resolveu, você chega e diz que seu presente é um beijo e um abraço.

Tarefa dada teria que ser tarefa cumprida. Fui para a festa com a certeza de entregar o prometido. Nunca esqueci , como corri atrás desse menino, sem entender por que ele não queria meu beijo e abraço, mas não podia desistir….mas o Moisés ou Isaac? Era muito resistente e era maior que eu. Até que um adulto, com pena da menina esbaforida, o fez parar e receber o meu presente. Ufa, agora podia usufruir da festa.

As lembranças desse dia são turvas, acinzentadas. As risadas ainda posso ouvir sem entender, como numa tv antiga em branco e preto e da minha primeira rejeição.


Daisy Gouveia

Daisy Gouveia

Daisy Gouveia é escritora, influenciadora, host do podcast "Leiture-se". Usa as redes sociais para incentivar a leitura e dá dicas frequentes de como adquirir e manter o hábito.

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